Associados explicam como funciona a Promotoria de Justiça Junto à Auditoria Militar

Data da postagem: 10/08/2016

Os associados Karla Dias Sandoval Mattos Silva e Sandro Rezende Lessa são os promotores de Justiça responsáveis pelo trabalho na Promotoria de Justiça Junto à Auditoria Militar. Membros do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, eles explicam nesta reportagem ao Portal AESMP como funciona a Promotoria de Justiça Militar, que fica localizada na Capital capixaba e tem atuação em todo o Estado.


 


Cabe à doutora Karla Sandoval, dentro da Promotoria de Justiça Junto à Auditoria Militar, a atribuição extrajudicial. Já o doutor Sandro Lessa tem atribuição judicial. Ou seja, ele atua nas audiências, junto à Vara de Auditoria Militar, que hoje tem como titular o juiz de Direito Getúlio Marcos Pereira Neves.


 


 


Doutora Karla Sandoval fala da credibilidade alcançada pela Promotoria de Justiça Junto à Auditoria Militar


 


Portal AESMP – Quando a senhora entrou para o Ministério Público e por quais Promotorias já passou?



Karla Sandoval
– Entrei para o Ministério Público do Estado do Espírito Santo em 04/08/1993. Já atuei na Comarca de Muqui, Mimoso do Sul, Apiacá, São José do Calçado, Bom Jesus do Norte, Alegre, Atílio Vivácqua, Piúma, Presidente Kennedy, Cachoeiro de Itapemirim, Vila Velha e Vitória.


 


– Como é o trabalho da Promotoria de Justiça Militar no Espírito Santo?


– A Promotoria de Justiça Junto à Auditoria Militar funciona hoje com dois Promotores de Justiça: um com atribuição extrajudicial, que é o meu caso; e outro com atribuição judicial, no caso, Dr. Sandro Rezende Lessa. Ambos, com atuação em todo o Estado do Espírito Santo. A 2ª Promotoria, na qual atuo, trabalha especificamente nas investigações, acompanhamento de diligências e análise dos Inquéritos Policiais Militares e sindicâncias de forma a coibir a prática de ilícitos pelos militares estaduais.


 


A Promotoria atua promovendo, privativamente, a ação penal pública e exercendo o controle externo da atividade da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiro Militar. Existe ainda atribuição perante o Presídio Militar, que funciona no QCG, por meio de inspeção mensal.


 


– Como é o acompanhamento da senhora junto às Corregedorias da PM e do Corpo de Bombeiros?


– As Corregedorias são exigidas rotineiramente por meio de ofícios, requisições e inspeção anual dos procedimentos, a fim de evitar atraso ou ineficiência na condução dos mesmos. Diversas diligências são realizadas com acompanhamento do Ministério Público, seja no âmbito de uma investigação preliminar e sigilosa, seja no âmbito dos inquéritos policiais militares e sindicâncias. Os Encarregados têm acesso à Promotoria de Justiça para requerer nosso acompanhamento ou deliberar conjuntamente as diretrizes para conclusão do feito.


 


– Em caso de não acolhimento de uma denúncia por parte do Juízo Militar, é a senhora quem toma a decisão de recorrer, quando é o caso, ou o doutor Sandro Lessa?


– A atribuição e discricionariedade para recorrer diante do não recebimento de denúncia por parte do Juízo Militar é do 2º Promotor de Justiça Junto à Auditoria Militar, por meio da interposição de Recurso em Sentido Estrito.


 


– Quais os tipos de delitos cometidos por militares são julgados pelo Conselho Especial de Justiça e quais que são analisados pelo Juiz Singular?


– Por força da Emenda Constitucional 45/2004, foi incluído o §5º ao artigo 125 da Constituição Federal, que diz: "Compete aos Juízes de Direito do Juízo Militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de Juiz de Direito, processar e julgar os demais crimes militares."


 


– Quais os tipos de delitos cometidos por militares na atividade profissionais mais comuns no Espírito Santo?


– Infelizmente, no âmbito da Polícia Militar, o principal delito cometido por militares na atividade profissional no Espírito Santo é a lesão corporal, cometida nas abordagens policiais por meio de excesso nas condutas dos agentes. Mas tem-se ainda como destaque a grande quantidade de extravio de armamentos da Corporação e os crimes contra a Administração Militar. Já no âmbito do Corpo de Bombeiro, o que vem ganhando evidência hoje são os delitos que envolvem a expedição da ALCB – Alvará de Licenciamento do Corpo de Bombeiro.


 


– Como é cuidar das denúncias envolvendo policiais e bombeiros militares de todo o Espírito Santo? A senhora tem de se deslocar muito pelo Estado afora?


– Considerando que a atribuição do controle externo da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiro Militar é exclusiva do 2º Promotor de Justiça e considerando a atuação em todo Estado do Espírito Santo, é necessário o constante deslocamento para acompanhar diligências fora de Vitória. Realizamos uma série de inspeções e visitas técnicas aos Batalhões da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar, na Região Metropolitana da Grande Vitória e no interior do Estado. A medida está prevista, inclusive, na Resolução nº 121, de 10 de março de 2015, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).


 


 


– Para quem ainda pensa que a Justiça Militar no Brasil é corporativista, qual a mensagem que a senhora deixa.


– Ainda há pessoas que duvidam da eficácia da Justiça e que os militares dificilmente são punidos quando praticam delitos. A Promotoria de Justiça Junto à Auditoria Militar atua diretamente no combate aos abusos cometidos e, com apoio das Corregedorias e da Vara da Auditoria, tem alcançado a credibilidade marcada pelo trabalho árduo e sério de seus Promotores, que, ao longo dos anos, aprenderam a derrubar resquícios de corporativismo e confirmaram sua independência.


 









Doutor Sandro Lessa faz uma abordagem histórica da Justiça Militar Estadual


 


A Justiça Militar Estadual possui competência para processar e julgar os militares dos Estados, policiais e bombeiros militares, nos crimes militares definidos em lei conforme previsão do artigo 125, § 4º da Constituição Federal, ou seja, inexiste possibilidade de um civil ser julgado por crime militar na Justiça Militar Estadual.


 


A jurisdição da Justiça Militar Estadual abrange todo o Estado-membro respectivo. A Justiça Militar do Estado do Espírito Santo foi instituída pelo Decreto Lei 16.051 (Lei de Organização Judiciária Estadual de 1946).


 


Com o advento da Emenda Constitucional n. 45/04 foi alterada e ampliada a competência da Justiça Militar Estadual para julgar as ações judiciais contra atos disciplinares militares, bem como foi criado o juízo militar.


 


Assim, em primeiro grau, a Justiça Militar Estadual está organizada em dois Juízos: 1) Juízo Militar composto pelo juiz de Direito com competência singular para julgamento dos crimes militares cometidos contra civis; 2) Conselhos de Justiça (Permanente ou Especial) com competência para julgar os demais crimes militares.


 


Os Conselhos de Justiça são formados por um civil (Juiz de Direito) e quatro militares, com a presença sempre de um Oficial Superior. Também conhecido por escabinato, tal composição pretende aliar o conhecimento jurídico com o conhecimento prático da vida militar.


 


Por fim, a presença de membros das respectivas corporações (Polícia e Bombeiro Militar) nos Conselhos de Justiça visa resguardar a tutela dos princípios da hierarquia e disciplina, já que é inegável a diferença entre o crime praticado pelo militar em serviço do praticado pelo militar fora do serviço. Os Conselhos de Justiça Especial e Permanente divergem-se pela competência do primeiro de julgar os oficiais e do segundo de julgar as praças.


 


Em segunda instância, a Justiça Militar Estadual possui características próprias previstas no §3º do artigo 125 da Constituição Federal: “A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar Estadual, constituída, em primeiro grau pelos Juízes de Direito e Conselhos de Justiça, e, em segundo, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes.”


 


Importante destacar que apenas três estados brasileiros possuem a segunda instância da Justiça Militar Estadual, quais sejam, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. No Estado do Espírito Santo a segunda instância da Justiça Militar Estadual é exercida pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo.


 


Denominada de Emenda da “Reforma do Judiciário”, inúmeras inovações foram introduzidas na Justiça Militar Estadual. Referida emenda alterou os §§ 3º e 4º, bem como acrescentou o §5º ao artigo 125 da Constituição Federal:


Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.


[...] § 3º A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes.


§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. 


§ 5º Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares (BRASIL, Constituição Federal, 1988).


 


Vê-se da leitura da nova redação do §3º que os juízes de Direito foram incluídos como órgão judiciário da Justiça Militar Estadual com competência para processar e julgar singularmente os crimes militares cometidos contra civis.


 


Ainda no §3º, outra alteração que ainda hoje passa despercebido se refere à substituição da expressão “efetivo da Polícia Militar”, já que a nova redação menciona efetivo militar em que se contempla não só a polícia militar, mas também o efetivo do Bombeiro Militar. Assim, para efeito de criação de Tribunal de Justiça Militar Estadual a superioridade de 20 mil integrantes se dará com o somatório do efetivo militar, policiais e bombeiros militares.


 


O §4º trouxe a mais significativa mudança na competência da Justiça Militar Estadual, ao incluir o julgamento das ações judiciais contra atos disciplinares militares, ou seja, prevendo uma competência de natureza não penal àquela Justiça. Tal competência envolve o processamento e julgamento de todas as ações civis que visem buscar a tutela estatal contra um ato de cunho disciplinar oriundo dos comandos militares estaduais.


 


A nova redação do §4º teve também por finalidade estancar de uma vez por todas qualquer dúvida sobre a constitucionalidade da Lei 9.299/96 que deslocou a competência dos crimes dolosos contra a vida de civil para o Tribunal do Júri, ou seja, permanecendo a competência da Justiça Militar Estadual para julgar os crimes dolosos contra a vida em que autor e vítima são militares.


 


O §5º acrescentou o Juízo Militar formado pelo juiz de Direito com competência para processar e julgar, singularmente, os crimes cometidos contra civis. Tal alteração não teve repercussão na Justiça Militar da União, que manteve os Conselhos de Justiça como órgãos únicos daquela Justiça especializada.


 


Não obstante, deve-se registrar que na data de 05 de junho de 2014 a Presidência do Superior Tribunal Militar apresentou ao Presidente da Câmara dos Deputados projeto de reforma da Lei 8.457/92 que organiza a Justiça Militar da União. Pelo projeto, a competência para julgamento de crimes militares praticados por civis será do Juiz-Auditor singularmente.


 


Desta forma, o 1º promotor de Justiça possui atribuições judiciais perante a Auditoria da Justiça Militar (acompanhamento até a sentença e eventuais recursos processuais, além do acompanhamento das ações judiciais já propostas contra atos disciplinares). ?